Quis o destino que assistisse pela segunda vez ao desmoronar do Império.
Desta feita, foi a última pedra. Timor. Após 500 anos de história, partíamos do mesmo modo que lá chegámos da primeiríssima vez: de barco, pequeno e frágil.
O MacDili era um velho cargueiro habituado a fazer a ligação Macau-Timor, foi nele que fiz a travessia de cerca de 500 km do Mar de Timor que separam esta ilha da Austrália. Foi uma viagem de 2 dias. A minha mãe gravidíssima do Miguel, foi colocada nas instalações da tripulação composta por chineses, filipinos e malaios. O meu irmão Paulo, fez todo o possível para a acompanhar e olhar por mim.
Eu, lá andava nos porões, por cima dos sacos de arroz onde dormia e brincava. Chegámos à Austrália.
O meu irmão Paulo, o meu Pai e eu pouco antes de embarcarmos no MacDili, que se vê ao fundo. O meu Pai ainda estava de fato-de-vôo, numa das últimas fotografias antes de ficar preso em Aileu com a sua tripulação
O que se passou antes de entrarmos no MacDili, o cap. Abilio Alves Ferreira no seu livro "O ùltimo vôo sobre Timor", o descreve com precisão. Eu era um dos 270...
«No dia seguinte, cerca das dez horas, fomos para o porto. O pequeno navio ainda se encontrava ao largo. A confusão era evidente. Ninguém se entendia. Por que não acostava o MacDili?
- Parece que está com uma avaria nas máquinas. – informou alguém.
Camiões do exército trouxeram rações de combate e colchões, pois o navio só tinha alojamentos e alimentação para a tripulação. Iria levar cerca de 270 passageiros incluindo o grupo de reciclagem. Na sua maioria eram mulheres e crianças.
O tempo foi passando e o navio mantinha-se imóvel. Cerca das três horas da manhã avisaram-me de que só no dia seguinte o MacDili acostaria. Muitas pessoas e, sobretudo as crianças mais pequenas já dormiam junto aos armazéns do cais, deitados sobre os colchões. Logo que a notícia se espalhou, algumas pessoas abandonaram o porto e foram para suas casas. Outros porém, possivelmente os que moravam longe, optaram por passar ali o resto da noite.
Logo pela manhã regressamos ao porto. O navio ainda não se tinha movido. Um oficial do exército fez a chamada (inútil) dos passageiros.
(...)
Quando todos os passageiros já tinham entrado no MacDili e este estava prestes a partir, ouviu-se, disparada ali no porto, uma rajada de metralhadora. As pessoas que estavam no cais correram em todas as direcções, tentando proteger-se. Os que, como eu, tinham família a bordo, ficaram junto ao barco gritando aos tripulantes para largarem. Receávamos que se tratasse de uma tentativa para impedir a evacuação, pois já se tinha ouvido falar nisso. Mais tarde informaram-me que a rajada tinha sido feita para dispersar a multidão de timorenses que se tinha aglomerado à volta do porto. Tinha sido efectuada por um elemento da UDT, não sem antes ter dado conhecimento aos pára-quedistas.
Finalmente o MacDili principiou a mover-se com uma lentidão exasperante. A maioria dos passageiros já tinha entrado nos porões, para onde fugiram quando ouviram a rajada. O vento soprava forte e a primeira tentativa do navio para sair do porto fracassou. O canal é estreito porque existem bancos de coral a cerca de duzentos metros do cais. Todos os que estávamos em terra começávamos a ficar impacientes. Um marinheiro, ao meu lado, comentou:
- Com este vento, o navio não consegue fazer a manobra.
Embora eu pensasse que a evacuação era prematura e poderia contribuir para uma deterioração mais rápida da situação, uma vez decidida, quanta mais depressa melhor.
Numa segunda tentativa, o MacDili conseguiu, finalmente, afastar-se com uma lentidão que faria orgulhosa qualquer lesma. Em terra ficamos nós, apenas os homens. Braços no ar, lágrimas nos olhos, os corações destroçados! Adeus, até quando?»
Notícia saída na revista TIME, Set. 08, 1975, título: "Portugal: Out But Not Down"
«(...) Since then Fretelin, seeking to unseat the U.D.T., has reportedly gained control of the capital of Dili. Refugees fleeing the island told chilling stories of heavy casualties and numerous atrocities. The captain of the MacDili, a freighter that has been ferrying refugees to Darwin, described the fighting as "bloody carnage." Estimates of the death toll ranged from several hundred to 2,000. An Australian engineer who fled to Darwin last week said: "Children are being picked up by the feet and their heads smashed against the trunks of trees. Old men and women have been slaughtered.".